segunda-feira, 15 de novembro de 2010

3ª Chamada dos Tambores celebra a cultura afro-brasileira em Goiânia

     


     Consolidado em Goiânia como um momento de protesto contra o preconceito racial e a intolerância religiosa em Goiás, a Chamada dos Tambores destaca nessa terceira edição a luta pela valorização da tradição afro-brasileira. E com esse objetivo é que no dia 20 de novembro, dia Nacional da Consciência Negra, o evento se propõe a mostrar a herança africana deu ritmo e movimento ao mundo. 
    Buscando unir o ritmo dos agogôs, atabaques, xequerês e berimbaus é que toque de candomblé, samba de roda, exposição de fotos e vídeo da cultura afro-brasileira, ensaio do Afoxé Asè Omo Odé e roda de capoeira parte da programação dessa 3ª Chamada dos Tambores, que será realizada no próximo sábado, a partir das 16 horas no Ilê Iba Ibomim (Casa do Pai João), na rua 1059, quadra 134, lote 03, no Setor Pedro Ludovico. O evento é uma iniciativa da Associação Desportiva e Cultural de Capoeira Mestre Bimba e do Grupo de Capoeira Angola Barravento, e conta com o apoio da Belcar Caminhões e de DJ Claudinho. 
     E é essa presença africana na cultura brasileira é tão significativa que pode ser percebida em quase todos os gêneros musicais, como por exemplo, o samba e as mais diversas expressões culturais, como as congadas, o maracatu, os afoxés, o jongo, o tambor-de-crioula, e também as religiões afro-brasileiras, seja no caráter percussivo, na variedade de estilos ou na capacidade de uso e de diversidade dos instrumentos. 
     Isso porque a musicalidade, importante valor dessa tradição de matriz africana indica ainda a corporalidade, a memória e a ancestralidade, outros elementos que compõem esse comportamento específico diante do mundo, no qual a música faz a comunicação entre seres humanos e ancestrais divinos; religa o presente à memória coletiva de origem africana; indica o papel fundamental que o mestre ocupa na transmissão dos saberes, por isso a reverência oral e musical àqueles que já se foram; institui um momento de libertação do corpo, visto que na tradição afro-brasileira, música e dança caminham juntas, e com os gestos e movimentos esse corpo ganha espaço, rompe os limites.

3ª Chamada dos Tambores
Local: Ilê Iba Ibomim (Casa de Pai João de Abuque): Rua 1059, qd.134, lt. 03, Setor Pedro Ludovico
Programação: 19/11 (sexta-feira) – 19h: Toque de Candomblé
20/11 (sábado) – 16 horas: Ensaio do Afosé Asè Omo Odé; Apresentação do Grupo Bate Lata; Roda de capoeira; Exposição de fotos e vídeo e Samba de roda.
Mais informações: Ceiça Ferreira (8191-2122/8589-5154)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

De perto e de dentro: Povo do Axé tem licença do senhor dos caminhos




                                                                    


Luciene Dias
Antropóloga, Jornalista, Professora da Facomb-UFG

O caminho é ancestral. Difícil medir o tempo que percorremos para chegar até aqui. Baianas apostando tudo na melhor maquiagem, no melhor figurino, nos melhores acessórios. E elas estavam lindas... Filhas e filhos, pais e mães, avós e avôs fixados em suas poderosas guias e contra-eguns que têm garantido a proteção cotidiana. Capoeiras tantos e muitas bem a caráter para marcar que a luta negra é de fato um percurso ancestral. E a Congada com seus mestres intocavelmente elegantes, altivos, firmes, como é o povo negro. Tudo simples demais para ser apreendido pelos desavisados e complexo demais para ser explicado neste espaço. Este é o clima que marcou os últimos momentos que antecederam ao humilde pedido ao senhor dos caminhos para que a Caminhada em Homenagem aos Mestres da Tradição Afro-Brasileira em Goiânia, fosse bem sucedida. Laróyè. E os caminhos se abriram. Dessa forma, centenas de pessoas caminharam pela circular do Setor Pedro Ludovico, em Goiânia, na tarde quente de 18 de setembro de 2010, em segurança e com muita dignidade.
                                                                                                                                                                                              


                                                                     

Um pedido feito com tanto carinho, com tanto axé, por um povo que tirou do âmago o seu mais puro branco de Oxalá para provar sua coesão e sua articulação, ainda que incompreendido, não é nunca negligenciado em sua tradição. “O que nos falta não é articulação, mas somente apoio externo”, sentenciou o mestre Luizinho momentos antes da caminhada, para quem o problema do negro no Brasil não é motivado por este mesmo povo negro, mas por um grupo de chamados tomadores de decisão que não têm respeitado secularmente a tradição afro-brasileira. Caminhemos juntos e juntas então para buscar garantir este respeito pelo que somos. Mas não é porque não nos respeitam, que não nos respeitaremos e se temos os caminhos abertos pelo nosso senhor, então rompamos a estrada ao toque de Odè, o pai da casa de onde saímos. O que buscamos? Perguntariam alguns nesta caminhada. “Felicidade” é o que ecoou a voz fantasticamente registrada do alto do carro de som e replicada carinhosamente por quem caminhava. O segredo dessa tradição é muito simples e pode até ser dito porque a compreensão demanda sempre a contextualização: “Nosso segredo é muito trabalho e dedicação”.



 


Empenhada em manter forte e atuante este segredo de caminhos abertos, Dona Elza observa o trabalho dos ogans, das iás, dos pais e mestres empenhados para que a caminhada seja um sucesso, das crianças que correm de um lado para outro tentando extrair o máximo do presente festivo. Como todo sábio, ela observa desde o passar das saias e anáguas no salão agitadíssimo, o aquecer dos atabaques brilhantemente conduzidos pelos ogans, o ecoar das lindas vozes dos filhos e filhas, o sambar das pessoas que caminham em homenagem à tradição e o compartilhar do encerramento. O povo negro não pode encerrar uma festa dessas sem muito axé. As buscas que antecederam a esta ocasião renderam água e comida para todos. Axé!

A licença foi concedida e os caminhos se abriram. Significa muito numa cidade como Goiânia, localizada no Brasil central, observar esta caminhada somente com olhares curiosos. Ainda não temos manifestações explícitas de apoio, mas pelo menos não derrubam nossos orixás como o fizeram há sete anos, quando atos de intolerância e desrespeito levaram à depredação de símbolos religiosos das Matrizes Africanas no Parque Vaca Brava, em Goiânia. Nossa articulação está ganhando expressão fora de nossos muros. Por que será? Será que nossas bandeiras de criar um mundo sem intolerâncias e aberto às diversidades começam a ser ostentadas em outros quintais? Que a resposta seja positiva. A julgar pelo motoqueiro curioso que, mesmo podendo furar o bloqueio, parou sua moto, levantou o capacete e assistiu o povo do Axé passar para homenagear os mestres da tradição afro-brasileira, parece que a resposta é positiva.




 

Um povo que resistiu a tanto tempo de negação, expropriação, silenciamento e massacre não pode sair de uma grande caminhada dessa sem uma dosagem extraordinária de boas expectativas. “Nossa, parece que as pessoas começam a entender”. E começam mesmo. Começam a entender que pedir a Exu que nos abra os caminhos, saudar a Oxòssi para que nos conduza, lançar olhares e corpos para que nossos orixás nos guiem em nossas escolhas, e fechar tudo isso como manda a tradição afro-brasileira é a forma ancestral que temos para dizer quem somos.

Fotos: Ana Rita Vidica e José Jair Bázan

sábado, 18 de setembro de 2010

Mestres congadeiros revelam a força da tradição afro-brasileira em Goiânia

                                                                                                                                      Ceiça Ferreira
      
        Seu Osório Alves (Capitão do Terno Verde e Preto da Congada da Vila João Vaz), Seu Onofre Costa dos Santos (Criador da Congada 13 de Maio) e Lázaro Eurípedes Silva, mais conhecido como Mestre Mancha Negra (Presidente e Capitão do Terno Moçambique) têm em comum a luta pela tradição da congada, que mesmo diante das dificuldades mantém firme no compromisso de transmitir aos mais novos os valores e os princípios de sua fé em Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia. E juntamente com essa devoção aos santos católicos, a congada expressa em cores, ritmos e saberes a resistência da cultura afro-brasileira.


                                                                                  Mário de Souza


            Com 73 anos, Seu Osório relembra emocionado a história de seu pai, Pedro Cassimiro Alves, exemplo de vida e de amor pela congada, mestre com quem aprendeu tudo o que sabe e por quem se mantém sua luta por essa tradição. “A congada era o sonho do meu pai”, afirma esse ancião que hoje é também um mestre, e há 37 anos é o capitão do Terno Verde e Preto, primeiro terno na Vila João Vaz, que juntamente com o Terno Marinheiro forma com amigos e parentes uma grande família, na qual o mestre Osório tem a função de envolver os jovens na continuidade da congada, de manter essa tradição que tem como fundamento a reverência aos mais velhos, àqueles que já se foram, mas que deixaram seu exemplo de luta e resistência. “A congada não vai acabar, por quem tem a motivação dessa juventude que mesmo não sendo do mesmo sangue participa, se torna também meus filhos e netos, e quando eu partir, sei que vai ter gente para continuar”, afirma Seu Osório. 


                                                                                                                                      Mário de Souza 

      Também outro mestre congadeiro, Seu Onofre Costa dos Santos, criador da Congada 13 de Maio, destaca sua paixão pela congada, desde sua criação com apenas algumas crianças e hoje com dezenas de participantes, mas também relata as dificuldades vividas nesses 39 anos em que renova sua fé em Nossa Senhora do Rosário, e mantêm com orgulho e persistência seus valores. “Amo demais a congada, mas se eu fosse homem mole não tava aqui”, afirma seu Onofre que com a autoridade e a sabedoria de um grande mestre transmite por meio da oralidade sua vivência e amor pela congada, manifestação religiosa e expressão de resistência da cultura afro-brasileira.


                                                                                       Acervo Lagente

           Impossível falar de congada em Goiânia, sem citar Lázaro Eurípedes Silva, mais conhecido como Mestre Mancha Negra, presidente e Capitão do Terno Moçambique, primeiramente por que sua história de vida se mistura à história do Moçambique do qual faz parte desde criança quanto ainda morava em Uberlândia, e também o Moçambique é o guardião do Rei e da Rainha de Congo, representação simbólica pela qual essa tradição relembra e revive a memória coletiva de origem africana, que pelo papel fundamental dos mestres é capaz de resistir, de manter-se forte e viva, e isso só é possível porque esses homens têm em comum uma forma específica de ensinar, método que requer a vivência,  a capacidade de ouvir e aprender com os mais velhos, que pela palavra transmitem valores, sentimentos, gestos e tudo o compõe sua experiência de vida, seu exemplo de luta e superação.