quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Festa e devoção na Comunidade Kalunga do Vão de Almas





Ceiça Ferreira


Alguns estudiosos da cultura no Brasil, como Carlos Rodrigues Brandão* destacam que a melhor maneira de se compreender a cultura popular é estudar a religião.

E ao conhecer pelo olhar do fotógrafo Dalton Paula, a Romaria de Nossa Senhora da Abadia e a festa do Divino da Comunidade Kalunga do Vão de Almas, arrisco-me a concordar com a afirmação desse autor, pois nessas imagens, não vejo apenas a cerimônia religiosa em si, mas toda a força e a complexidade das expressões culturais populares, que continuamente se reelaboram, ressignificam suas tradições, agregando novos elementos, e talvez por essa capacidade de renovação se mantenham tão vivas, tão pulsantes.

Esse festejo, organizado por quem vive no Vão de Almas tenha ainda outra especificidade: me indica uma postura de resistência simbólica de uma comunidade que reinterpreta o sagrado, dá-lhe novos contornos, novos significados, pois, ao mesmo tempo em que reconhecem a legitimidade da Igreja Católica, é também capaz de expressar suas crenças, sua devoção aos santos católicos de acordo com a realidade em que vivem, em suas relações com a terra, a família e a vizinhança.

E é exatamente por essa luta cotidiana pela sobrevivência de cada um e pela continuidade desses valores e tradições que fazem desse universo simbólico da cultura e religiosidade popular algo tão rico, em seus saberes e princípios, pelos quais esses homens e mulheres conduzem suas vidas; em valores que orientam essa vivência coletiva e mantêm os laços de solidariedade; e  também complexo em sua capacidade de aliar as cerimônias religiosas com o forró e a dança da sussa, unindo assim sagrado e profano numa única forma de devoção; em sua capacidade de reverenciar o Catolicismo e também prestar homenagens ao rei e à rainha do império Kalunga; e principalmente, em sua habilidade de materializar a fé em ritmos e danças, símbolos, cores e cantos, pelos quais toda essa comunidade revive e preserva sua memória.
Esses são alguns dos motivos que justificam meu desejo em conhecer essa importante festa da Comunidade Kalunga do Vão de Almas, pois apesar da fotografia ser capaz de mostrar, de ser um registro, me falta ainda ouvir os cantos, ver as expressões corporais, presenciar esse momento em que as pessoas se unem pela fé, se reúnem pela alegria de comemorar juntos.

*BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Deuses do Povo: um estudo sobre a religião popular. São Paulo: Brasiliense, 1980. 306 p.

domingo, 8 de maio de 2011

Encontro de Congadas na Igreja Matriz de Campinas

Logo mais, às 10 horas da manhã, a Igreja Matriz de Campinas recebe vários grupos de Congada de Goânia e também outras cidades, que expressam em música e dança sua devoção à Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia.

Após a participação na tradicional missa de domingo, a visita a uma casa próxima à igreja faz parte do roteiro de atividades de todos os grupos de congada presentes, é a casa de Maria Francisca de Paula, mais conhecida como “Pretinha”, filha do primeiro rei da Congada, seu Osório.

Falecido em 1990 com 102 anos, seu Osório é uma figura sempre lembrada com respeito e admiração entre os participantes, que dão continuidade a essa festa que se renova a cada dia, une não apenas a fé, mas também hábitos, costumes, alegrias e esperanças nesse encontro entre religiosidade e festividade. 

Veja algumas fotos da festa das Congadas, realizada em 2010:

Fotos: Mário Souza e Dalton Paula









 











sexta-feira, 6 de maio de 2011

Congada 13 de maio: quarenta anos de história, tradição e fé


 

Ceiça Ferreira

Mais uma vez os tambores das congadas se unem para louvar Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia, revelando a força dessa tradição que já existe há mais de sessenta anos em Goiânia, resiste as transformações do tempo e é passada as novas gerações com beleza, ritmo e alegria.

E assim, fundada há quarenta anos por Onofre Costa dos Santos é que a Congada Irmandade 13 de maio festeja a fé e a devoção aos santos católicos, e expressa a capacidade de resistência da cultura afro brasileira em mais uma festa que reúne filhos e amigos no Jardim Liberdade, onde desde o dia 28 de abril estão sendo realizadas novenas, e neste sábado (07 de maio), a partir das 18 horas terá um dos seus momentos mais importantes, a procissão e o levantamento do mastro e bandeira dessa irmandade.

No domingo, na Igreja Matriz de Campinas, a congada 13 de maio se reúne com outros grupos de Goiânia e também de outras cidades, e sob o ritmo da caixa de congo fazem, renovam essa tradição cultural e religiosa, que toma as ruas da capital nesse grande espetáculo de música, cores e dança, por meio da qual congadeiros e congadeiras superam as dificuldades e exprimem com orgulho seus valores e sua fé.



Ao entoar seus cantos alegres, mostrar sua colorida e rica indumentária, os reis, rainhas, princesas, capitães, caixeiros e caixeiras, todas essas pessoas que fazem a congada celebram nesse rito sua história, e mantém viva a cultura afro brasileira, pois foi pelo ritmo e por essa maneira peculiar de lidar com o sagrado,  na qual a festa tem um lugar central é que a história de nossos ancestrais atravessou o atlântico. E mesmo tornados escravos, esses povos guerreiros foram capazes  de reconstruir sua cultura e religiosidade, na qual os tambores criam os laços entre presente e passado, entres deuses e mortais, entre  vivos e antepassados,  e assim cultivaram essa memória coletiva de origem africana, aqui reinventada de corpo, alma, beleza e mistérios, por todos esses homens e mulheres negras.  

Tudo isso só é possível, graças ao trabalho dos anciãos, que passam aos mais novos seus princípios e sua sabedoria de vida. Por tal razão, é que a Congada 13 de Maio reverencia novamente os negros griôs congadeiros. A palavra "griô”, que deriva do francês “griot” refere-se aos contadores de histórias da África Ocidental, homens que usando a força da palavra mantinham a memória e a História de seu povo. Aqui no Brasil, também nossos mestres da cultura afro brasileira são griôs, pois pela oralidade preservam e ao mesmo tempo transmitem por meio da experiência, os valores dessa cosmovisão de matriz africana, visto que nessas comunidades tradicionais o aprendizado pressupõe a vivência, o convívio com esses mais velhos, dos quais se ouve, e com os quais se aprende fazendo, por tal razão é que pensador malinês Amadou Hampatê Bâ afirma que a tradição oral é a grande escola da vida, pois fundada na iniciação e na experiência, ela conduz o homem à totalidade. Por isso, na tradição africana a fala é considerada um dom de Deus.



E é através dessa reconstituição constante do rito, dessa festa realizada a cada ano que essa memória se reafirma, pois não se trata de meramente recordar o passado, mas de trazê-lo para o presente, vivenciá-lo e fazê-lo vivo e pulsante, como destaca um dos cantos da congada que diz:
 
“13 de maio é um dia muito bonito”
“A congada se reúne para festejá São Benedito“
“Vem a rainha com a bandeira na mão, rezá para Santa Isabel que deu a libertação”;

“13 de maio é um dia muito bonito”
“A congada se reúne para festejá São Benedito“
“Á meia noite a festa vai terminando, eles beijam a bandeira, pra voltar no outro ano...”
   


Dessa forma, os mestres congadeiros e outros mestres griôs são depositários do saber, do patrimônio cultural material e imaterial que é a tradição afro brasileira, tão repleta de sons, cores, movimentos, valores e ritos, com a qual  nossos antepassados  recriaram laços simbólicos de parentesco com as origens africanas; e mesmo em um ambiente adverso foram capazes de reconstituir sua humanidade, sua alegria de viver. E é esse mesmo patrimônio que hoje resiste às condições de desigualdade que ainda predominam sobre a população negra no Brasil, mesmo 123 anos após a abolição da escravatura, e se mostra forte, digno de orgulho de um povo que cotidianamente tem que a enfrentar a dor, o racismo e a invisibilidade, e só consegue isso porque demonstra uma capacidade extraordinária de criar, de ressignificar, de se manter vivo.


Histórico
A história da Congada Irmandade 13 de maio começa quando seu Onofre Costa dos Santos tinha 10 anos e saiu da casa de sua mãe, na cidade de Nova Aurora (GO) em busca de melhores condições de vida. Passados alguns anos sem contato com a família, sua mãe faz uma promessa para Nossa Senhora do Rosário pedindo a volta do filho.

Seu Onofre sentiu saudades e voltou para Nova Aurora, e ao encontrar a mãe, muito feliz com seu retorno, ela avisa que ele teria que dançar Congado, como pagamento da promessa feita à Nossa Senhora. Assim, em devoção à santa, seu Onofre começou tocando cavaquinho, passou a tocador de caixa de congo e anos depois tornou-se Capitão de um terno, nome dado a grupo de congada.

Juntamente com sua esposa Dona Maria de Lourdes Sousa Santos e os filhos ainda pequenos, fundou em 08 de maio de 1971, a Congada Irmandade 13 de maio. No mesmo dia, nasceu mais uma filha do casal, Valéria Eurípedes Sousa dos Santos, atualmente a presidente da congada, essa grande família que une filhos, netos e vários parentes e amigos pela continuidade dessa tradição religiosa e importante manifestação cultural afro brasileira.


Festa da Congada Irmandade 13 de maio
 Local: Rua VMA-03 qd. 53 lt.14 - Jardim Liberdade, Goiânia- Goiás
Contato: Valéria da Congada (Presidente da Irmandade)
(62) 9988-7858/ (62) 3593-0732  

Programação  
29/04 a 07/05 - Realização das Novenas
07/05 - Procissão de Levantamento do Mastro e Bandeira e última novena

08/05 - Apresentação das Congadas na Igreja Matriz de Campinas




Fotos: Mário Souza e Dalton Paula
Referência bibliográfica:
BÂ, Amadou Hampaté. “A tradição viva”. In: História Geral da África I. Metodologia e Pré-história da África. Trad.: Beatriz Turquetti et alii. São Paulo: Ática, 1982, p.181-218.