sexta-feira, 24 de setembro de 2010

De perto e de dentro: Povo do Axé tem licença do senhor dos caminhos




                                                                    


Luciene Dias
Antropóloga, Jornalista, Professora da Facomb-UFG

O caminho é ancestral. Difícil medir o tempo que percorremos para chegar até aqui. Baianas apostando tudo na melhor maquiagem, no melhor figurino, nos melhores acessórios. E elas estavam lindas... Filhas e filhos, pais e mães, avós e avôs fixados em suas poderosas guias e contra-eguns que têm garantido a proteção cotidiana. Capoeiras tantos e muitas bem a caráter para marcar que a luta negra é de fato um percurso ancestral. E a Congada com seus mestres intocavelmente elegantes, altivos, firmes, como é o povo negro. Tudo simples demais para ser apreendido pelos desavisados e complexo demais para ser explicado neste espaço. Este é o clima que marcou os últimos momentos que antecederam ao humilde pedido ao senhor dos caminhos para que a Caminhada em Homenagem aos Mestres da Tradição Afro-Brasileira em Goiânia, fosse bem sucedida. Laróyè. E os caminhos se abriram. Dessa forma, centenas de pessoas caminharam pela circular do Setor Pedro Ludovico, em Goiânia, na tarde quente de 18 de setembro de 2010, em segurança e com muita dignidade.
                                                                                                                                                                                              


                                                                     

Um pedido feito com tanto carinho, com tanto axé, por um povo que tirou do âmago o seu mais puro branco de Oxalá para provar sua coesão e sua articulação, ainda que incompreendido, não é nunca negligenciado em sua tradição. “O que nos falta não é articulação, mas somente apoio externo”, sentenciou o mestre Luizinho momentos antes da caminhada, para quem o problema do negro no Brasil não é motivado por este mesmo povo negro, mas por um grupo de chamados tomadores de decisão que não têm respeitado secularmente a tradição afro-brasileira. Caminhemos juntos e juntas então para buscar garantir este respeito pelo que somos. Mas não é porque não nos respeitam, que não nos respeitaremos e se temos os caminhos abertos pelo nosso senhor, então rompamos a estrada ao toque de Odè, o pai da casa de onde saímos. O que buscamos? Perguntariam alguns nesta caminhada. “Felicidade” é o que ecoou a voz fantasticamente registrada do alto do carro de som e replicada carinhosamente por quem caminhava. O segredo dessa tradição é muito simples e pode até ser dito porque a compreensão demanda sempre a contextualização: “Nosso segredo é muito trabalho e dedicação”.



 


Empenhada em manter forte e atuante este segredo de caminhos abertos, Dona Elza observa o trabalho dos ogans, das iás, dos pais e mestres empenhados para que a caminhada seja um sucesso, das crianças que correm de um lado para outro tentando extrair o máximo do presente festivo. Como todo sábio, ela observa desde o passar das saias e anáguas no salão agitadíssimo, o aquecer dos atabaques brilhantemente conduzidos pelos ogans, o ecoar das lindas vozes dos filhos e filhas, o sambar das pessoas que caminham em homenagem à tradição e o compartilhar do encerramento. O povo negro não pode encerrar uma festa dessas sem muito axé. As buscas que antecederam a esta ocasião renderam água e comida para todos. Axé!

A licença foi concedida e os caminhos se abriram. Significa muito numa cidade como Goiânia, localizada no Brasil central, observar esta caminhada somente com olhares curiosos. Ainda não temos manifestações explícitas de apoio, mas pelo menos não derrubam nossos orixás como o fizeram há sete anos, quando atos de intolerância e desrespeito levaram à depredação de símbolos religiosos das Matrizes Africanas no Parque Vaca Brava, em Goiânia. Nossa articulação está ganhando expressão fora de nossos muros. Por que será? Será que nossas bandeiras de criar um mundo sem intolerâncias e aberto às diversidades começam a ser ostentadas em outros quintais? Que a resposta seja positiva. A julgar pelo motoqueiro curioso que, mesmo podendo furar o bloqueio, parou sua moto, levantou o capacete e assistiu o povo do Axé passar para homenagear os mestres da tradição afro-brasileira, parece que a resposta é positiva.




 

Um povo que resistiu a tanto tempo de negação, expropriação, silenciamento e massacre não pode sair de uma grande caminhada dessa sem uma dosagem extraordinária de boas expectativas. “Nossa, parece que as pessoas começam a entender”. E começam mesmo. Começam a entender que pedir a Exu que nos abra os caminhos, saudar a Oxòssi para que nos conduza, lançar olhares e corpos para que nossos orixás nos guiem em nossas escolhas, e fechar tudo isso como manda a tradição afro-brasileira é a forma ancestral que temos para dizer quem somos.

Fotos: Ana Rita Vidica e José Jair Bázan

sábado, 18 de setembro de 2010

Mestres congadeiros revelam a força da tradição afro-brasileira em Goiânia

                                                                                                                                      Ceiça Ferreira
      
        Seu Osório Alves (Capitão do Terno Verde e Preto da Congada da Vila João Vaz), Seu Onofre Costa dos Santos (Criador da Congada 13 de Maio) e Lázaro Eurípedes Silva, mais conhecido como Mestre Mancha Negra (Presidente e Capitão do Terno Moçambique) têm em comum a luta pela tradição da congada, que mesmo diante das dificuldades mantém firme no compromisso de transmitir aos mais novos os valores e os princípios de sua fé em Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia. E juntamente com essa devoção aos santos católicos, a congada expressa em cores, ritmos e saberes a resistência da cultura afro-brasileira.


                                                                                  Mário de Souza


            Com 73 anos, Seu Osório relembra emocionado a história de seu pai, Pedro Cassimiro Alves, exemplo de vida e de amor pela congada, mestre com quem aprendeu tudo o que sabe e por quem se mantém sua luta por essa tradição. “A congada era o sonho do meu pai”, afirma esse ancião que hoje é também um mestre, e há 37 anos é o capitão do Terno Verde e Preto, primeiro terno na Vila João Vaz, que juntamente com o Terno Marinheiro forma com amigos e parentes uma grande família, na qual o mestre Osório tem a função de envolver os jovens na continuidade da congada, de manter essa tradição que tem como fundamento a reverência aos mais velhos, àqueles que já se foram, mas que deixaram seu exemplo de luta e resistência. “A congada não vai acabar, por quem tem a motivação dessa juventude que mesmo não sendo do mesmo sangue participa, se torna também meus filhos e netos, e quando eu partir, sei que vai ter gente para continuar”, afirma Seu Osório. 


                                                                                                                                      Mário de Souza 

      Também outro mestre congadeiro, Seu Onofre Costa dos Santos, criador da Congada 13 de Maio, destaca sua paixão pela congada, desde sua criação com apenas algumas crianças e hoje com dezenas de participantes, mas também relata as dificuldades vividas nesses 39 anos em que renova sua fé em Nossa Senhora do Rosário, e mantêm com orgulho e persistência seus valores. “Amo demais a congada, mas se eu fosse homem mole não tava aqui”, afirma seu Onofre que com a autoridade e a sabedoria de um grande mestre transmite por meio da oralidade sua vivência e amor pela congada, manifestação religiosa e expressão de resistência da cultura afro-brasileira.


                                                                                       Acervo Lagente

           Impossível falar de congada em Goiânia, sem citar Lázaro Eurípedes Silva, mais conhecido como Mestre Mancha Negra, presidente e Capitão do Terno Moçambique, primeiramente por que sua história de vida se mistura à história do Moçambique do qual faz parte desde criança quanto ainda morava em Uberlândia, e também o Moçambique é o guardião do Rei e da Rainha de Congo, representação simbólica pela qual essa tradição relembra e revive a memória coletiva de origem africana, que pelo papel fundamental dos mestres é capaz de resistir, de manter-se forte e viva, e isso só é possível porque esses homens têm em comum uma forma específica de ensinar, método que requer a vivência,  a capacidade de ouvir e aprender com os mais velhos, que pela palavra transmitem valores, sentimentos, gestos e tudo o compõe sua experiência de vida, seu exemplo de luta e superação.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pai João de Abuque: história de vida e luta

Entrevista de Pai João de Abuque na homenagem aos mestres griôs - 3º Encontro Afro Goiano - Cidade de Goiás - maio de 2006


terça-feira, 14 de setembro de 2010

2ª Caminhada em homenagem aos mestres da tradição afro-brasileira destaca os anciãos da Congada

                                                                                                                                   Ceiça Ferreira

O papel fundamental dos mais velhos na cultura afro-brasileira revela a força de uma tradição que tem resistido às transformações do tempo e da História: a transmissão oral de valores, concepções e saberes que compõem a memória coletiva desse grupo social. E é também por meio dessa forma específica de preservar sua cultura e sabedoria de vida que os anciãos são reconhecidos como mestres, como guardiões da memória e da tradição.

E com o objetivo de resgatar a história desses mestres que têm em comum a luta pela cultura afro-brasileira, é que a Associação Desportiva e Cultural Capoeira Mestre Bimba, por meio do Afoxé Asé Omo Odé realiza neste sábado (18/09) a partir das 15 horas, uma grande caminhada que visa reunir representantes de várias expressões culturais e religiosas de Goiânia em homenagem a Pai João de Abuque, o mais antigo babalorixá e primeiro ancestral do Candomblé Goiano; Mestre Bimba, o criador da Capoeira Regional; Mestre Pastinha, um dos ícones da Capoeira Angola e também Lázaro Eurípedes Silva (Mestre Mancha Negra), Seu Onofre Costa dos Santos e Seu Osório Alves, três importantes mestres da Congada em Goiânia.

A caminhada sairá do Ilè Ibá Ibomim, Casa de Pai João de Abuque, localizada na rua 1059, qd.134, lt.04, Setor Pedro Ludovico às 15 horas e percorrerá a rua 1064, a avenida Circular e depois retornará à Casa de Pai João, onde será realizado o encerramento do evento, com apresentações culturais de congada, capoeira e samba de roda, um momento de valorização da riqueza e diversidade da cultura afro-brasileira. “Essa segunda edição da caminhada é a continuidade de um trabalho de reconhecimento da história e luta desses mestres que nos dão força para continuar. Se estamos aqui hoje, devemos isso a eles”, afirma com entusiasmo Mestre Luizinho, filho de Mestre Bimba, ogã do Ilé Ibá Ibomim e organizador da caminhada.




Guardiões da memória
Pai João de Abuque
O Candomblé em Goiás tem como referência a figura de João Martins Alves, mais conhecido como Pai João de Abuque, o primeiro babalorixá do Estado. Um grande mestre e pai de muitos filhos, que iniciados em sua casa, o Ilè Ibá Ibomim, hoje também são babalorixás; homem de vida simples, mas que apesar de todas as dificuldades tinha sua casa sempre aberta para acolher os outros. E apesar de sua experiência na religião, Pai João de Abuque falava que ainda estava aprendendo e por isso sempre recorria a um mestre mais velho, a quem devia respeito e gratidão.

Na década de 1990, Pai João de Abuque, juntamente com outras lideranças afro criou o Afoxé Asé Omo Odé, bloco que levou o candomblé e a cultura afro-brasileira para as ruas da capital, nos carnavais de 1990 a 1993, e que sob a proteção de Oxóssi continua a destacar as cores, os ritmos, e as bênçãos da religiosidade de matriz africana em Goiânia, relembrando assim a história de vida e luta de Pai João, que em setembro de 2006, tornou-se o primeiro ancestral do candomblé goiano.

Mestre Bimba
Em um momento histórico em que a prática da Capoeira era proibida, Manoel dos Reis Machado, mais conhecido como Mestre Bimba ao fazer uma reinterpretação de elementos físicos e simbólicos desse jogo criou a Luta Regional Baiana, depois chamada de Capoeira Regional. E ao destacar seu potencial artístico e educativo, Mestre Bimba lutou pela valorização da cultura negra na sociedade baiana.

Buscando o apoio que não teria recebido em Salvador, em 1973, Mestre Bimba mudou-se com a família para Goiânia, cidade onde faleceu em fevereiro de 1974. Porém, o legado desse mestre e da capoeira regional se mantém na memória, e se renovam na continuidade de seu método, que por meio de seus filhos e discípulos é transmitido hoje nos quatro continentes.

Mestre Pastinha
Vicente Joaquim Ferreira Pastinha, ou simplesmente Mestre Pastinha, foi um dos primeiros capoeiristas a analisar a capoeira como filosofia, destacando assim a natureza desportista e lúdica desse jogo, principalmente em sua capacidade de comunicação.  Assim, também teve papel significativo na legalização da Capoeira e em seu reconhecimento como fenômeno cultural e prática esportiva.

Mestre Pastinha faleceu em 13 de novembro de 1981 em Salvador, mas permanece vivo nas rodas de capoeira e nessa tradição que continua sendo transmitida por aqueles que outrora foram seus alunos e hoje também são importantes mestres, como João Grande, Curió, Bola Sete, João Pequeno e tantos outros, que imortalizam o amor incondicional de Mestre Pastinha à Capoeira Angola, “mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista."

Nessa segunda edição da caminhada também três anciãos da Congada em Goiânia são homenageados: Lázaro Eurípedes Silva (Mestre Mancha Negra), criador e presidente do Terno Moçambique; Seu Onofre Costa dos Santos, fundador da Congada Irmandade 13 de maio e Seu Osório Alves, capitão do Terno Verde e Preto da Congada da Vila João Vaz. Mestres que com os ritmos da caixa de congo, os cantos, as danças, as rezas e os louvores a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia, esses mestres mantêm viva a congada, expressão artística e também um espaço de celebração da cultura e religiosidade de matriz africana, expressa em cores, ritmos, movimentos corporais e valores pelos quais homens e mulheres são capazes de preservar essa tradição, que une parentes e amigos pela continuidade dessa memória coletiva. “Nada mais justo do que destacar o trabalho dos mestres da Congada, conhecedores e divulgadores da cultura afro-brasileira em Goiás, acrescenta Mestre Luizinho.

A Associação
Com 11 anos de existência, a Associação Desportiva e Cultural de Capoeira Mestre Bimba tem desenvolvido diversas ações de valorização da cultura e religiosidade afro-brasileira em Goiás. Por meio da capoeira, do afoxé, do samba-de-roda, e da puxada-de-rede essa instituição criada por Luis Lopes Machado (Mestre Luizinho) divulga o legado de Mestre Bimba, e assim também o rico universo da tradição afro-brasileira.

Para a realização desta Caminhada, a Associação tem como parceiros a Belcar Caminhões, Secretaria de Estado de Políticas Públicas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial (Semira), Pontão de Cultura República do Cerrado, Secretaria Municipal de Esportes e Lazer (Semel), OlhO Comunicação Estratégica, DJ Claudinho e o Bloco Negróides Baque Cerrado.

2ª Caminhada em homenagem aos mestres da tradição afro-brasileira
Data: 18 de setembro 
Horário: 15 horas
Percurso: Saída da Casa de Pai João de Abuque (Ilé Ibá Ibomim) na rua 1059, quadra 134, lote 04, no Setor Pedro Ludovico.
Mais Informações: Ceiça Ferreira (62) 8191-2122 / Janaína Gomes (62) 8419-2739