Terceira edição da Caminhada em Homenagem aos Mestres da Tradição Afro-brasileira destaca a força das mulheres negras
Ceiça Ferreira
Nas culturas e religiosidades de matriz africana, os anciãos e as anciãs ensinam o tempo todo, em situações do cotidiano transmitem aos mais novos seus saberes e valores, e assim esse aprendizado vai sendo assimilado, principalmente porque alguns detalhes só se aprende fazendo, e juntos. E por meio da tradição oral, esses mestres e mestras nos ensinam, nos ajudam a construir o que somos, a entender de onde viemos, a relembrar nossos antepassados, homens e mulheres que abriram caminho para o nosso presente e por isso, são as raízes nas quais buscamos a força para dar continuidade a nossa luta diária, para escrever a nossa própria história.
Por sua sabedoria, sua experiência de vida, e as memórias que carregam e partilham, é que são considerados guardiões e guardiãs do saber, dessa herança que trazem dentro si. E com o objetivo de reconhecer e valorizar a atuação desses mestres é que a Associação Desportiva e Cultural de Capoeira Mestre Bimba realiza a terceira edição da Caminhada em Homenagem aos Mestres da Tradição Afro-brasileira, e assim resgata a história de Pai João de Abuque (mais antigo babalorixá e primeiro ancestral do candomblé goiano); Mestre Bimba (o criador da capoeira regional) e Mestre Pastinha (um dos ícones da capoeira angola); reverencia este ano Manoel Pio de Sales - Mestre Sabu (pioneiro da capoeira angola no Estado), e destaca a força de mulheres negras, como Maria Dalva Mendonça (matriarca do Movimento Negro em Goiás e fundadora da Comunidade Visual Ilê) e Maria José Alves (em memória – uma das matriarcas das congadas de Goiás). “Homenagear nossos ancestrais, e este ano em especial as mulheres, significa reverenciar a própria cultura afro-brasileira em Goiás. Precisamos falar desses mestres e mestras, pois sem eles não estaríamos aqui hoje. E sem dúvida, a atuação de Dona Dalva e Dona Maria José revela a coragem e a resistência das mulheres negras”, enfatiza Luis Lopes Machado (Mestre Luizinho), filho de Mestre Bimba e organizador da caminhada.
Assim, no dia 17 de setembro, às 15 horas, o Afoxé Asé Omo Odé, as casas de Candomblé e Umbanda de Goiás, grupos de Capoeira e Congada se reúnem no Ilé Ibá Ibomim (Casa de Pai João de Abuque, na rua 1059, quadra 134, lote 04) e saem em cortejo pelas principais ruas do Setor Pedro Ludovico (rua 1064 e Avenida Circular) relembrando e celebrando com música e dança a história desses mestres e mestras.
Esse cortejo retorna à rua 1059, e em frente à Casa de Pai João de Abuque será realizado o encerramento do evento, com uma programação com várias apresentações culturais, da banda Visual Ilê, do grupo de rap "A Trilha" e o especial “Divas Negras”, com as cantoras Clécia Santana, Henusa Mendonça e Janaína Soldera, além de capoeira e samba de roda.
Mestres e Mestras da tradição afro-brasileira
Maria Dalva Mendonça
Nascida em Pires do Rio. Ela fala com orgulho de suas origens africanas (Angolana) e indígenas (Tapuia). Matriarca do Movimento Negro em Goiás, foi cantora de rádio em programa de calouros na Antiga TV Clube de Goiânia, estudou enfermagem em uma turma na qual era a única mulher negra, e de maneira serena relata alguns momentos de sua vida, sua atuação política e cultural em vários campos.
Fundadora da Comunidade Visual Ilê e da Escola de Samba Flora do Vale, Dona Dalva, como é conhecida, expressa sua capacidade de resistência, estratégia com a qual lutou e ainda hoje enfrenta o racismo e a discriminação; e principalmente, repassa aos mais jovens a importância de serem sujeitos de sua história. É figura importante do movimento negro e de mulheres, do samba, das congadas e das religiões de matriz africana no Estado.
Maria José Alves (em memória)
Natural de Catalão/GO. Mulher forte, engajada, sensível e determinada, sempre disposta a ajudar a todos, principalmente as mulheres, com as quais dividiu uma história de luta contra o machismo e qualquer forma de opressão.
Dona Maria José, um das matriarcas das congadas de Goiás, teve uma atuação significativa em vários movimentos sociais (de mulheres, negros, idosos e trabalhadores). Foi também uma das fundadoras da Pastoral do Negro e assumiu diversas funções de liderança na Vila João Vaz, onde estava especialmente à frente da Festa do Rosário e da Congada.
Manoel Pio de Sales - Mestre Sabu
Nasceu na Cidade de Goiás, viveu por 20 anos em Salvador e em Goiânia tem uma história de amor e dedicação à Capoeira. Mestre Sabu foi pioneiro da Capoeira Angola no Estado, e demonstra preocupação com a falta de reconhecimento da sociedade e do poder público aos mestres da cultura popular.
Aos 72 anos, sempre imponente em seu terno branco, Mestre Sabu é sem dúvida a figura de um valente, daquele que usa da mandinga para superar com dignidade os desafios que surgem em seu caminho.
Pai João de Abuque
Natural de Juazeiro (BA), João Martins Alves, chegou em Goiás nos anos de 1960. Não conseguia conter a emoção ao relatar as dificuldades que enfrentou e também ao falar daqueles que o ajudaram. Talvez por isso, mesmo depois de se tornar uma referência no candomblé goiano, Pai João de Abuque continuasse a ser um homem muito simples, gostava de estar com seus filhos e amigos, e estava sempre disposto a acolher quem precisasse de ajuda.
Em sua casa de candomblé foram iniciados muitos filhos-de-santo, tantos que Pai João nem lembrava mais quantos. E são esses filhos e filhas que hoje dão continuidade à herança deixada por esse mestre, mantém o Ilè Iba Ibomim e também o Afoxé Asè Omo Odé, bloco criado na década de 1990 por ele e outras lideranças da cultura afro, que levou a tradição afro-brasileira para os carnavais de 1990 a 1993. E guiado por Oxóssi persiste em levar às ruas e palcos as bênçãos dessa religiosidade e a história de seus antepassados, em especial Pai João de Abuque, que em setembro de 2006, tornou-se o primeiro ancestral do candomblé goiano.
Mestre Bimba
Foi um homem à frente do seu tempo. Imaginava e acreditava na expansão da capoeira. E se hoje outros mestres estão pelo mundo afora ensinando essa filosofia de vida, eles devem muito a luta de Manoel dos Reis Machado, mais conhecido como Mestre Bimba, que nos anos de 1930 defendeu o reconhecimento da capoeira regional e das tradições de matriz africana.
Em 1973, buscando melhores condições de trabalho, Mestre Bimba deixou Salvador e veio com a família morar em Goiânia, onde faleceu em fevereiro de 1974. Mas permanece vivo na memória e na continuidade que seus discípulos e filhos, entre eles Luis Lopes Machado (Mestre Luizinho), dão ao seu exemplo de vida e luta.
Mestre Pastinha
Considerado o guardião da capoeira tradicional, Vicente Joaquim Ferreira Pastinha, ou apenas Mestre Pastinha, considerava a capoeira não apenas uma luta, mas uma forma específica de ser e estar no mundo. Por isso, destacou seu aspecto esportivo e lúdico, definiu as regras, os cantos, a utilização dos instrumentos e a hierarquia dentro do jogo.
Mestre Pastinha defendeu a capoeira, em um período histórico em que era constante a perseguição da polícia. Falecido em novembro de 1981, seus ensinamentos continuam nas rodas de capoeira e na atuação dos novos mestres que mantém essa importante expressão cultural afro-brasileira.
Memória e Resistência
Dessa forma, essa terceira caminhada representa o desejo e o empenho em manter vivas as nossas tradições e valores de matriz africana, e principalmente, o exemplo de resistência de nossos mestres e antepassados. E exatamente com esse objetivo é que em 1999, Luis Lopes Machado (Mestre Luizinho, filho caçula de Mestre Bimba) criou a Associação Desportiva e Cultural de Capoeira Mestre Bimba, e desde então desenvolve atividades e projetos que promovam e divulguem a cultura e religiosidade afro-brasileira em Goiás.
Para realização desta terceira caminhada, a Associação tem como parceiros: Pontão de Cultura República do Cerrado, Belcar Caminhões, Secretaria de Estado de Políticas Públicas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial (Semira), Assessoria Especial de Políticas Públicas para a Igualdade Racial da Prefeitura de Goiânia (Asppir), Canela di Ema Produções, Olho Comunicação Estratégica, Grupo Calunga de Capoeira Angola, Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (AGEPEL), Grupo de Capoeira Angola Barravento, DJ Claudinho, Sindicato dos Docentes da UFG (Adufg) e Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da UFG.
Apesar de todas as dificuldades, é por meio de iniciativas como essas que temos trabalhado pelo reconhecimento da tradição afro-brasileira em Goiás, destacando suas expressões artísticas, culturais, religiosas e educativas, e principalmente buscando condições para dar continuidade à história de homens e mulheres que (embora muitas vezes desconsiderados), deram uma contribuição significativa à construção da cultura e sociedade goiana.
E em memória e reverência a esses mestres e mestras de ontem e de hoje, que pelo som dos atabaques, pelas expressões corporais, pelos ritmos, pelos signos e valores de nossa religiosidade, pelas cores e estampas de nossa indumentária que levaremos pelas ruas de Goiânia a beleza e a força de nossa ancestralidade negra.
3ª Caminhada em homenagem aos mestres da tradição afro-brasileira
17 de setembro, às 15 horas
Saída do Ilè Ibá Ibomim (Casa de Pai João de Abuque): Rua 1059, qd.134, lt.04, St. Pedro Ludovico
Contatos: Ceiça Ferreira (8191-2122 / 8589-5154) e Mestre Luizinho (8250-0629 / 8562-2077)
Contatos: Ceiça Ferreira (8191-2122 / 8589-5154) e Mestre Luizinho (8250-0629 / 8562-2077)
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