NOTA
PÚBLICA
Nós, do Afoxé Omo Odé, viemos a público, por meio
desta nota, elucidar o lamentável episódio acontecido do dia 18/02/2023 no
Carnaval da Cidade de Goiás. É importante ressaltar que o Afoxé Omo Odé tem uma
longa história com Goiás e até o referido episódio sempre fomos bem recebidos
pela população vilaboense e temos colaborado de forma pacífica e alegre com o
Carnaval da referida cidade.
O Afoxé Omo Odé foi criado por Pai João de Abuque,
pioneiro do candomblé em Goiás, na década de 1990 levando para o Carnaval de
Goiânia toda a beleza da indumentária, o ritmo do ijexá e a musicalidade da
religiosidade de matriz africana, ou seja, promovendo a memória e a valorização
da cultura afro-brasileira no Estado de Goiás.
Os afoxés abrem as festas de carnaval de vários
lugares do Brasil, sendo uma extensão de uma comunidade de candomblé que
comunga com os princípios e fundamentos afro-religiosos. Atualmente, o Afoxé
Omo Odé está vinculado ao Yle Asé Oju Odé, em Aparecida de Goiânia, dirigido pela
Yalorixá Maria do Socorro Alves Rodrigues, conhecida como Mãe Corrinha de Oxum,
filha carnal de Pai João de Abuque, junto com Ogã Luis Lopes Machado, Mestre
Luizinho, filho carnal de Mestre Bimba, iniciado no candomblé há mais de 30
anos, tendo como cargo de Elemaxó, o cargo mais alto para os cuidados de Oxalá.
A relação do Afoxé Omo Odé com a cidade de Goiás teve
início em 2006, quando nosso ancestral Pai João de Abuque foi homenageado no 3º
Encontro Afro Goiano. Em 2007, a população vilaboense novamente decidiu
homenagear Pai João em um cortejo em sua memória. Portanto, nossa história vem
de longe e compreendemos que, na tradição africana, o ancestral tem um papel
muito significativo: ele é protetor de um povo, é a força, o axé da família de
santo. Mesmo após a morte, essas pessoas continuam próximas de seus filhos. Em
cada festa, canto ou oferenda, a memória de entes queridos como Pai João de
Abuque é revivida, mantendo assim essa tradição que se baseia na ancestralidade
para a transmissão do axé, a chama da vida.
Foi em retribuição a hospitalidade que nossa querida
Vila Boa sempre nos dispensou que desde 2016 temos colaborado com o carnaval da
Cidade de Goiás, seja na parceria com o Bloco Pilão de Prata, quanto nas
Escolas de Samba da cidade (União e Mocidade), quanto no cortejo do nosso
Afoxé, no sentido de fortalecer as manifestações culturais afro-brasileiras.
Assim como, já prestigiamos o Afoxé Ayo Delê, sob liderança do babalorixá
Robson.
Nessa trajetória jamais havíamos sido tratados como forasteiros
ou baderneiros. Pelo contrário, tivemos nossa trajetória reconhecida por meio
da filmagem do Afoxé Omo Odé nas ruas de Goiás, em 2022, quando participamos do
lançamento do Museu da Memória de Goyaz (conferir no link abaixo:
https://museudamemoriadegoyaz.net/programacao-de-lancamento-do-museu)
Aprendemos com a sabedoria dos caboclos que “caboclo
bom é irmão do outro, um corta pau e o outro arranca o toco”. Assim, Mestre
Luzinho aceitou prontamente o convite do auto intitulado mestre Paulo Sérgio
para colaborar durante dois anos seguidos no cortejo do Bloco Pilão de Prata,
assim como, ministrou oficina de perscurssão para os integrantes do bloco. No
entanto, a parceria chegou ao fim em decorrência da fraqueza de caráter de
Paulo Sérgio, incapaz de empenhar sua palavra dada e cumprir com os acordos
previamente combinados. Problema esse que se repetiu com outros mestres de
capoeira e de percussão da cidade de Goiás e de Goiânia. Entendemos que o mesmo
não vive em conformidade com aquilo de afirma defender, não valorizando os
mestres e mestras da tradição afro-brasileira.
Não somos melhores, mas também não somos piores do
que ninguém, a julgar pela forma pejorativa com que a liderança do Bloco Pilão
de Prata se referiu ao Afoxé Omo Odé, demonstra um desconhecimento básico dos
princípios éticos do universo das comunidades de terreiro e da capoeira angola,
estruturado em relação ao princípio da temporalidade, de respeito àqueles que
vieram primeiro. Antiguidade é posto, como já dizia nossos mais velhos. Ainda
que não seja iniciado nas tradições de matriz africana, Paulo Sérgio parece
ignorar o ABC das relações interpessoais dos povos tradicionais. Neste universo
afrocentrado, ele, ao invés de procurar trilhar o seu caminho, busca por
atalhos em seu processo de se tornar uma referência da cultura negra.
Desconhece outro provérbio africano que afirma: “Tempo não gosta daquilo que se
faz sem ele”. Em sua luta por protagonismo exclui, ao invés de incluir,
desagrega, ao invés de aglutinar, usa da comunidade em benefício pessoal e,
pior, desrespeita aqueles que já trilharam o caminho que ele ainda engatinha.
Para explicarmos o que aconteceu no sábado, dia 18 de
fevereiro, é importante remontarmos as reuniões que antecederam ao evento do
encontro dos tambores, em que ficou acordado com os demais blocos, com exceção
do Pilão de prata, que não se fez presente na ocasião, que todos os grupos
fariam o seu cortejo e ficariam na Praça do Coreto. Ao final desse momento,
todos os blocos fariam uma caminhada até o Mercado Municipal, com o Afoxé Omo
Odé puxando o cortejo.
Todos os blocos fizeram o combinado, com exceção do
grupo Pilão de Prata que contornou a praça do Coreto e se posicionou na rua
Moretti Foggia, em direção à ponte de Cora, de modo a ficar na frente de todos
os demais, desrespeitando aquilo que havia sido acordado, além de demonstrar a
premeditação da atitude.
Após o final da apresentação dos grupos, nos
dirigimos ao local demarcado na reunião, quando fomos interpelados pelo Paulo
Sérgio que, de maneira agressiva e destemperada, se dirigiu ao membro do Afoxé
Axé Omo Ode que carregava o nosso estandarte, impedindo a nossa passagem.
Importante frisar que contávamos com a participação de 10 crianças, inúmeras
mulheres. Ao presenciar essa cena, e tentando proteger seus filhos e filhas,
sobretudo, as crianças, Pai Luis se dirigiu à Paulo Sérgio, tentando acalmar os
ânimos, mas este, com o dedo em riste se recusou a conversar e, com veemência,
tocou o peito de Mestre Luizinho, bem como no nosso estandarte, proferindo
palavras de baixo calão, já bastante alterado e fazendo ameaças, se recusando a
agir em conformidade com o que fora deliberado em reunião em que, não custa
repetir, estivera ausente. Sua atitude, de forma nenhuma esteve em sintonia com
os bons modos e a boa educação. Ofender um senhor que é referência na cultura
afrobrasileira, um dos Ogãs mais antigo de Goiânia, filho carnal de mestre
Bimba, iniciado pelas mãos de Pai João de Abuque, em hipótese alguma combina
com a ética afrocentrada.
Ciente do histórico de agressão de Paulo Sergio,
Mestre Luizinho, um senhor de 60 anos, diante da atitude do mesmo, como um ato
de legítima defesa desferiu uma cabeçada em sua boca. Lamentamos profundamente
que o caso tenha tomado essa proporção, mas sabemos que Paulo Sérgio apresenta
uma vontade de protagonismo e hegemonia injustificável. Ainda mais para um
grupo que afirma pregar a tolerância e a luta antirracista. É lamentável que um
territorialismo tacanho seja praticado por quem se coloca como mestre da
tradição afro-brasileira. Não fomos os primeiros a provar do veneno de quem usa
a cultura negra em benefício próprio e, provavelmente, não seremos os últimos.
Esperamos manter viva a nossa relação com a Cidade de
Goiás, relação esta construída com respeito, carinho e alegria. Aproveitamos
para agradecer a todas e todos os moradores da Cidade de Goiás, nas pessoas do
prefeito Aderson Liberato Gouvêa; do Secretário de Turismo e Desenvolvimento
Econômico, que interinamente também é Secretário de Cultura, Rodrigo Santana;
do presidente da Associação Atlética União
Goiana, Sr. Jorge Luiz; do presidente
da Mocidade, Sr. Jurandir, conhecido como Nego Letreiro; bem como nossos irmãos
e irmãs que verdadeiramente lutam pela cultura negra e a construção de uma
cidade plural e fraterna. Hoje e sempre e que nosso Pai Oxalá abençoe a todos e
todas, que Nosso Pai Oxossi traga fartura e abundância a toda a comunidade vilaboense.
Afoxé Omo Odé, Carnaval 2023.
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